três pessoas que foram presas na manhã desta segunda-feira (1º) durante uma operação da Polícia Civil da Bahia foram transferidas para Salvador, durante a tarde. A ação policial se dá contra a empresa Hempcare, que vendeu e não entregou respiradores ao Consórcio do Nordeste.

A dona da Hempcare, Cristiana Prestes, e o sócio dela, Luiz Henrique Ramos, que foram presos em Brasília, desembarcaram na capital baiana por volta das 15h30, no pátio do Grupamento Aéreo da Polícia Militar da Bahia (GRAER). Eles foram levados para a sede da Coordenação de Operações Especiais (COE), onde prestam depoimentos.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, o empresário Paulo de Tarso, que foi preso no Rio de Janeiro, chegou em Salvador, por volta das 20h. O suspeito também foi encaminhado para a sede do COE.

Após ser ouvida, Cristiana Prestes deve ser encaminhada para a 13ª Delegacia, que fica no bairro de Cajazeiras. Já Luiz Ramos e Paulo de Tarso vão ser encaminhados para a sede do Serviço de Polícia Interestadual (Polinter). Os três vão passar a noite em celas e devem prestar novos depoimentos na terça-feira (2), na sede do COE.

A prisão dos três suspeitos é temporária e tem o prazo de cinco dias, mas pode ser prorrogada por mais cinco dias ou ser convertida para preventiva, se for necessário, para a conclusão do inquérito.

“Nunca teve equipamentos”
A empresa alvo da operação Ragnarok, investigada por vender e não entregar respiradores ao Consórcio do Nordeste, nunca teve os equipamentos oferecidos na venda, conforme destacou a delegada Fernanda Asfora, coordenadora do setor de Crimes Econômicos e Contra a Administração Pública.

A delegada detalhou as investigações durante coletiva de imprensa nesta segunda, mesmo dia do cumprimento de três mandados de prisão e 15 de busca e apreensão em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Araraquara (SP). A empresa Hempcare vendeu os respiradores por R$ 48,7 milhões.

Além de não entregar os equipamentos, a empresa é apontada pela não devolução da quantia paga pelo Consórcio. Outra empresa, a Biogeoenergy também é alvo de investigações.

A operação, conforme explica a delegada, se deu a partir de um inquérito policial instaurado, que tinha como objetivo apurar as fraudes no âmbito da contratação do Consórcio Nordeste com a empresa Hempcare, na compra de 300 ventiladores clínicos de UTI, que seriam distribuídos para todos os estados do nordeste. A Bahia receberia 60 respiradores e os demais estados ficariam com 30 cada.

A delegada também revelou que o posicionamento da empresa com relação à contratação chamou atenção, após representantes informarem que todos os ventiladores comprados da China estavam quebrados.

Fernanda Asfora ainda detalhou que a primeira empresa foi contratada pelo consórcio, e a segunda forneceria os equipamentos diante do descumprimento do contrato.

Segundo a delegada, a partir de então que foi descoberta a relação dessa primeira empresa com a segunda. Fernanda Asfora destaca que as investigações não se encerram neste momento e que ainda restam as oitivas dos três presos, sócios suspeitos de participação na fraude.

Com a dupla presa, Cristina Prestes e Luis Henrique, a polícia encontrou um respirador, conforme disse a delegada, mas ela acredita que o equipamento era usado para apresentação no momento de oferta dos respiradores.

A delegada disse ainda que, durante as investigações e a operação nesta segunda-feira, eles receberam informações de que a empresa tentou negociação da venda de respiradores em hospitais de campanha e de Base do Exército em Brasília.

O procurador-geral do Estado, Paulo Moreno, que participou da coletiva, informou que a Bahia já está adotando medidas para que o dinheiro da compra desses respiradores seja devolvido.

“Se nós recuperarmos esses valores, teremos a chance de fazer uso desse dinheiro para outra compra. Vamos tomar todas as medidas para reaver essa quantia”, destacou.

Sobre a ação, o advogado da empresa informou que, no momento, está levantando informações sobre a medida cautelar, que segue sob sigilo, para depois se posicionar sobre o caso.

Antes da coletiva, durante o Jornal da Manhã, o secretário Maurício Barbosa, já tinha falado sobre o caso e disse que a Polícia Civil já tinha conseguido identificar que o contrato que essa empresa alegava ter com a empresa chinesa, na verdade, era um contrato falsificado.

“Diante disso, foram pedidos bloqueios de conta, busca e apreensão, prisões para que houvesse a busca pela recuperação do recurso”, detalhou Barbosa.

Operação

Durante a operação, em Araraquara, a Polícia Civil local deu apoio ao cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido pela polícia baiana. As buscas foram feitas na empresa Biogeoenergy, que é do mesmo grupo da Hempcare, e no apartamento do diretor da empresa, no bairro do Morumbi, em Araraquara.

Polícia Civil da Bahia faz operação contra empresa que deixou de entregar respiradores a estados do Nordeste — Foto: Adriana Oliveira/TV Bahia

Foram apreendidos documentos e um veículo. O diretor da empresa anunciou na última semana o início da fabricação de mais de quatro mil respiradores em Araraquara e Feira de Santana.

O advogado da empresa, Delorges Mano, afirmou que a empresa de Araraquara ainda não começou a produção dos respiradores. Por meio de nota, a Biogeonergy diz que aguarda a certificação da Anvisa para dar início à produção e destaca que não tem contrato de venda assinado com governos [confira a íntegra da nota no fim desta reportagem].

  • A empresa deixa claro que não há respiradores prontos para comercialização porque a certificação da Anvisa não saiu. Nosso equipamento passou em todos os testes que garantiram a qualidade do respirador e aguarda trâmites burocráticos do órgão federal. É importante deixar claro que como não há equipamentos, também não há contrato de venda assinado com governos, empresas ou prefeituras – diz o texto.

A dona da Hempcare, que teve os bens bloqueados, informou que fez o contrato para importar respiradores da China, mas que durante as negociações percebeu que os equipamentos fabricados no país apresentavam problemas. A empresa afirmou que, em contrapartida, ofereceu respiradores produzidos no Brasil, testados pela Anvisa e mais baratos. Ainda segundo a empresa, caso a substituição fosse aceita, ao invés de 300, mais de 400 respiradores seriam entregues.

O secretário de Segurança Pública da Bahia informou que os respiradores nacionais colocados como opção de recebimento pela empresa, nem existem porque não foram homologados pela Anvisa.

A operação foi coordenada pela Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), através da Superintendência de Inteligência, conta com a participação da Polícia Civil da Bahia, através da Coordenação de Crimes Econômicos e Contra Administração Pública, da Polícia Civil de SP, do Distrito Federal e do Ministério Público da Bahia.

Caso

A Justiça já havia determinado o bloqueio dos bens da empresa Hempcare, que deixou de entregar os respiradores comprados por R$ 48,7 milhões aos estados nordestinos. A decisão ocorreu após uma ação aberta pelo Consórcio.

Respirador na UTI — Foto: Diêgo Holanda/G1

No Diário Oficial do Estado da última sexta-feira (29), representando o Consórcio Nordeste, o governador do estado, Rui Costa instaurou processo administrativo com a finalidade de apurar irregularidades praticadas pela empresa Hempcare, com sede em São Paulo.

No documento, consta a informação de que a empresa foi contratada pelo Consórcio Nordeste em 8 de abril de 2020, e que inquérito foi aberto por haver indícios de descumprimento das obrigações contratuais, mediante a inexecução contratual. Os indícios de irregularidades não foram detalhados no documento.

A empresa declarou que não iria recorrer da decisão porque já havia acordado a devolução do dinheiro, que será feita nos próximos dias. Depois disso, os bens deverão ser desbloqueados.

O atraso na entrega da carga dos respiradores foi anunciado no dia 5 de maio, pelo secretário de saúde da Bahia, Fábio Vilas Boas. Na ocasião, havia uma previsão da chegada dos equipamentos ainda no mês de maio, o que não ocorreu.

Dois dias depois, em 7 de maio, o governador Rui Costa informou sobre o cancelamento da compra dos respiradores por causa do atraso. Ainda no início de maio, o secretário Fábio Vilas Boas previa a devolução do dinheiro da compra cancelada dos respiradores até a primeira quinzena do mês.

Diante do insucesso na compra e do processo para devolução do dinheiro investido, o Ministério Público do Estado (MP-BA) abriu um procedimento para apurar possíveis irregularidades nas compras dos respiradores.

Confira a nota divulgada pela Biogeonergy
“A Biogeoenergy informa que foram feitas buscas e apreensões por policiais civis da Bahia, com apoio de policiais locais na sua sede, em Araraquara, interior de São Paulo. Ainda não há detalhes do inquérito e pouco podemos avançar em relação a ação desencadeada hoje.

A empresa deixa claro que não há respiradores prontos para comercialização porque a certificação da Anvisa não saiu. Nosso equipamento passou em todos os testes que garantiram a qualidade do respirador e aguarda trâmites burocráticos do órgão federal. É importante deixar claro que como não há equipamentos, também não há contrato de venda assinado com governos, empresas ou prefeituras.

A Biogeoenergy reafirma seu compromisso em ajudar o país a enfrentar esse momento crítico e colabora com as autoridades policiais para esclarecer qualquer dúvida que venha a surgir.

Também é fundamental esclarecer que nenhuma empresa ou representante comercial pode oferecer, vender ou firmar contrato com governo, estados ou prefeituras uma vez que a Biogeoenergy não tem intermediadores nas negociações relativas ao respirador pulmonar que será fabricado nas unidades de Araraquara e Camaçari, na Bahia. As vendas serão feitas de forma direta para manter o compromisso de comercializar pelo menor preço possível. Ninguém está autorizado a falar em nome da empresa para prometer nossos produtos”.

O que diz a Hempcare?
A defesa da empresa Hempcare disse que não tem informações em função do sigilo de justiça, disse ainda que já estava organizando a rescisão do contrato e devolução de valores e que, portanto, a ação desencadeada hoje teria sido precipitada. O advogado disse também que os integrantes do consórcio nordeste foram informados sobre a proposta de devolução dos valores.

O que diz o Consórcio Nordeste?
Já o secretário executivo do consórcio nordeste, Carlos Gabam disse que no momento oportuno o consórcio vai se manifestar, pois não pode correr nenhum risco de atrapalhar as investigações em curso”.

O que diz o Senai Cimatec?
Já o Senai Cimatec declarou que não tem nenhuma relação comercial com a Hempcare ou com o grupo Biogeoenergy e que apenas realizou avaliação tecnológica de um modelo de respirador, apresentado pela empresa Omnitech, a pedido do Governo do Estado. A empresa também disse ainda que nesta avaliação vários itens de melhoria foram apontados para que o equipamento se tornasse apto à homologação junto à Anvisa e disse também que não participou de nenhuma relação comercial ou de desenvolvimento desse equipamento.

O que diz o MP?
Em nota, o Ministério Público da Bahia (MP-BA), disse que instaurou procedimento no dia 7 de maio para apurar possíveis irregularidades em processo de aquisição de ventiladores pulmonares, envolvendo a Bahia e Salvador. O órgão informou que esse procedimento, que corre em paralelo ao instaurado pela Polícia Civil, encontra-se em cumprimento de diligências, aguardando respostas a ofícios remetidos ao governo e ao Consórcio Nordeste.

Segundo o MP, um ofício será encaminhado à Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), para obter informações sobre os fatos que subsidiaram a operação, diante da informação da operação realizada pela Polícia Civil envolvendo uma das empresas fornecedoras dos respiradores pulmonares. (G1/BA)