Neste abril indígena, uma área ocupada há séculos pelo povo Pataxó pode ir a leilão promovido pela Justiça Federal para pagar multas ambientais de um empresário baiano. A longa e complexa história é mais um capítulo na disputa por terra e território no extremo sul da Bahia ainda vivenciada pelos povos indígenas no local dos primeiros contatos com os portugueses. Aliás, neste capítulo, o personagem acusado de grilar terras indígenas também é um cônsul honorário de Portugal no Brasil.

De acordo com documentos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), há registros históricos de ocupação do povo Pataxó no território da Lagoa Doce pelo menos desde o início do século XIX. Há algumas décadas, no entanto, o empresário e cônsul honorário Moacyr Costa Pereira de Andrade entrou em disputa com o povo Pataxó pelo território, afirmando que esta área faz parte da Fazenda Itaquena, de sua propriedade.

Desde o final de 2023, esta fazenda está indicada pela Justiça Federal para ser leiloada no âmbito de um processo de execução de multas ambientais contra o empresário e cônsul honorário. As multas devidas ao ICMBIo somam cerca de R$ 36 milhões, e a fazenda foi avaliada, em 2020, em R$ 82,8 milhões.

Multas ambientais e leilão

Kâhu Pataxó, presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat), afirma que o povo Pataxó já vem há meses questionando a validade desse leilão. “Essa área é de uma riqueza ambiental gigante! A gente não compreende como que, para pagar por um crime ambiental, se comete outro crime ambiental e ainda um crime encontra um povo”, afirma.

Ele explica que o povo Pataxó já notificou a Justiça Federal de que existe uma comunidade indígena que ocupa tradicionalmente o território. Também solicitaram à Funai que dê prosseguimento ao processo de demarcação, bem como ingresse como parte no processo contra o empresário Moacyr Andrade, uma vez que é responsabilidade do órgão defender os interesses dos povos indígenas.

O coordenador da Funai na região sul da Bahia, Aruã Pataxó, informou que desde o ano passado o escritório vem acompanhando o caso, tendo realizado duas visitas técnicas ao local. “E ainda essa semana uma equipe nossa também vai no local para poder fazer a qualificação da área, pegar todas as informações e também fazer a informação técnica e enviar para a presidência da Funai e para a Procuradoria Especializada para fazer a defesa judicial”, acrescenta.

O coordenador da Funai na região disse ainda que há, inclusive, um pedido de reintegração de posse do território da Lagoa Doce feito pelo empresário Moacyr Andrade. “É uma situação bastante complexa, com diversos interesses. E as comunidades indígenas, em todo esse processo, não foram ouvidas”, lamenta.

A comunidade Pataxó aponta ainda para a ausência do Ministério Público Federal (MPF) atuando no processo, uma vez que tal órgão tem como uma de suas funções a defesa dos direitos coletivos dos povos indígenas. Procurado pelo Brasil de Fato Bahia, o MPF informou que recebeu, nesta semana, uma representação sobre o assunto protocolada pelo gabinete da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL).

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