Uma das maiores referências em planejamento familiar do país, o ginecologista estava internado com covid-19 desde 20 de julho e morreu nesta segunda-feira (17).

A imprensa não pôde acompanhar de perto a cerimônia e ficou a cerca de 500 metros de distância o crematório. No local, segundo apurado pelo CORREIO, o corpo do doutor Elsimar Coutinho ficou a todo momento na área de incineração. Ou seja, não houve a chamada celebração de corpo presente.

No lugar, o padre Adão Mazur, da Paróquia Ressureição do Senhor, de Ondina, fez a celebração de encomendação da alma. O espaço é dividido em dois módulos, um que ficou exclusivo para a família, onde fotos enormes e coroas de flores foram espalhadas, e outro para os amigos e demais presentes.

Parte de dentro da cerimônia de despedida de Elsimar Coutinho
(Foto: Divulgação)

A sobrinha de Elsimar, Anelisa Coutinho, foi até o cordão de isolamento para falar com a imprensa. “Ele era uma pessoa incrível, com a mente brilhante. Um excelente pai de família, não só para os filhos de sangue, mas todos os adotados de coração. Era uma pessoa incrível, que sempre fez o bem e com muita humildade, mesmo com o brilhantismo. E com todo o bem que ele fez para a ciência, trabalhar era o que ele mais gostava de fazer. A gente está extremamente triste. É uma tristeza profunda. Esse é o momento que a gente não queria viver”, disse.

Desde 10h da manhã, quando o corpo chegou no cemitério, a todo o momento o local recebeu a visita de admiradores do médico, que levaram flores, corbelhas e cartões que foram entregues para a família de Elsimar. O prefeito ACM Neto também enviou uma coroa de flores para a família.

Uma das pessoas que estiveram presentes foi a farmacêutica Solange Filho, 30 anos, que fez um tratamento de ovários com o doutor e foi acompanhada por ele durante 30 anos. “Uma médica disse que eu iria precisar tirar os dois ovários. Eu fui atrás dele, pois o que se dizia era que se ele não resolvesse, não teria jeito mesmo. E ele foi e resolveu com o seu tratamento hormonal. Graças a ele, minha autoestima feminina foi recuperada”, contou.

“Depois levei outras pessoas que fizeram tratamento com ele e puderam ter filhos. Eu só não tive por opção pessoal. O doutor Elsimar trouxe felicidade para muitas mulheres. Ele ajudou a construir lares, famílias. Esse legado será levado para sempre”, disse Solange.

Foto: Sora Maia/Arquivo CORREIO

Pojuca, Paris, Salvador
Nascido na região metropolitana de Salvador, na cidade de Pojuca, Elsimar herdou do pai o interesse pela medicina. Depois de cursar duas graduações na Ufba, ele conseguiu uma bolsa pública, paga pelos governos brasileiro e francês, para estudar na Sorbonne, Universidade de Paris, ao lado do professor Claude Fromageot. Por lá, se interessou pelo estudo dos hormônios, assunto ao qual se dedicou até seus últimos dias.

Ao voltar da França, Elsimar tornou-se professor da Escola de Farmácia da Ufba, mas logo foi convidado a se aperfeiçoar em estudo e pesquisa na área de endocrinologia reprodutiva na Fundação Rockfeller, hoje Rockfeller University, em Nova York, onde conheceu Corner.

De volta ao Brasil, Dr. Elsimar assumiu a direção de pesquisas clínicas da Maternidade Escola da Ufba, que mais adiante viria a ser a Maternidade Climério de Oliveira, com sede no bairro de Nazaré, mas atualmente funcionando provisoriamente no Hospital Salvador, na Federação. A maternidade foi o primeiro centro de referência para estudos e pesquisas na área da Reprodução Humana da Organização Mundial da Saúde no Brasil.

No início dos anos 1960, o médico estava dedicado a pesquisar sobre a progesterona e sua ação na prevenção do trabalho de parto prematuro e descreveu o efeito anticoncepcional da substância. A partir dali, ele começou a propor os primeiros testes de anticoncepcionais injetáveis, combinados com estrogênio.

Por causa destes experimentos, Elsimar passou a se destacar e se tornar um dos maiores especialistas em reprodução e planejamento familiar do país. O médico participou do desenvolvimento dos primeiros anticoncepcionais injetáveis de efeito prolongado (Depo Provera), entre outros métodos, como o implante em bastonete inserido sob a pele do braço das mulheres e a pílula vaginal, pesquisados ao longo dos quarenta anos de ligação com a Faculdade de Medicina da Ufba, da qual se aposentou compulsoriamente em 2000, aos 70 anos.

Em seu site pessoal, consta que foi de sua autoria o primeiro caso relatado na literatura médica sobre regressão de mioma numa grávida, publicado em 1982. Além de tudo, ele chegou a presidir o South to South, um organismo internacional que reúne pesquisadores de países em desenvolvimento, localizados no Hemisfério Sul, para o desenvolvimento conjunto de novos métodos contraceptivos mais adequados como um à base de gossipol, uma fração de óleo de algodão com efeito anti-espermatogênese, tida como a primeira proposta de pílula anticoncepcional masculina, entre outras ideias.

Elsimar Coutinho era membro de 32 sociedades médicas e, só até o ano de 2000, havia participado de mais de 250 congressos como conferencista convidado. Ao todo, publicou mais de 350 trabalhos científicos, a maioria em revistas médicas internacionais como Nature, Endocrinology, Fertility and Sterility, American Journal of Obstetrics and Gynecology e Contraception.

Também publicou e editou mais de dez livros, a maioria no exterior. Sua obra sobre a menstruação, publicada em 1996, chegou à 8ª edição. A versão inglesa do livro foi lançada pela Oxford University Press e recebeu elogios de revistas médicas como Lancet, Journal of the American Medical Association (JAMA) e do British Medical Association cujo reviewer o classificou como obra prima.

Atualmente, ele mantinha consultórios não só em Salvador, mas também em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, para onde viajava praticamente todas as semanas. (Correio)